terça-feira, 26 de junho de 2007

Preâmbulo

Já era o terceiro blend que eu tentava criar para o cachimbo quando o telefone tocou. A mistura continha orégano, alfazema e cascas de lápis apontado. Sempre achei indispensável que um detetive particular fumasse cachimbo, usasse sobretudo e fosse meio bêbado. Já consegui as duas últimas. A asma me impede de fumar cachimbo apropriadamente, mas acredito que ainda encontrarei uma fórmula perfeita, que não desencadeie crises de falta de ar no meio dos interrogatórios. Pega mal à beça.

Do outro lado da linha, uma voz grave e nervosa perguntou pelo Detetive Mesquita.

- Sou eu mesmo.
- Ah, é você, Neneco? Não conheci a voz, rapaz. Tá fazendo voz de macho, agora?

Comecei a ficar nervoso. Como esse homem sabia dos meus segredos mais íntimos, como o apelido de infância?
- Quem está falando?
- Não tá me conhecendo não, Neneco? Aqui é o Cabelo, seu primo.

Nessa exata hora, um arrepio percorreu minha espinha. Não só porque o Cabelo tinha essa mania cretina de chamar todo mundo pelos apelidos familiares infantis, o que me dava nos nervos, mas também porque ele era o mordomo do rico industriário Austregésilo Castello-Branco. Teria o velho descoberto que Cabelo e eu, na ausência dele, bebíamos todo o uísque do bar e substituíamos por chá?

- Neneco, o sêo Austregésilo foi pro saco.
- Que saco?
- Empacotou, tonto!
- Decide, pacote ou saco?
- Mó-rreu, faleceu-se, capuft, foi dormir com os peixes, comer capim pela raiz, partiu dessa pra melhor. Cara, como você é obtuso!

Putz. Nessa eu não tinha pensado.

- O que aconteceu?
- Bom, o velho tinha convidado o pessoal prum rega-bofe aqui na mansão, às 8. Lá pelas tantas, quando todo mundo já tinha enchido a pança e tomado umas, se deram conta de que o patrão tinha sumido.
- Quem? O Silvio?!
- Não, anta! O Austregésilo, pô.
- Ah, sim. Prossiga.
- Então. Saí para procurar o velho e tudo que encontrei foi um cadáver. Ele estava caído no corredor com uma punhalada nas costas, um estranho fio de baba meio espumosa no canto da boca e um número azul marcado no antebraço.
- E qual o galho?
- Como assim, “qual o galho”, porra? O cara tá com uma faca fincada nas costas, espumando pela boca e com um número nada a ver no braço e você pergunta qual o galho? O galho é que temos um morto na casa e quase todo mundo aqui tinha motivos para ter encomendado o presunto. Ou seja, ninguém tem interesse em chamar a polícia. Precisamos de um detetive que descubra quem foi – e livre a cara dos outros – antes do sol nascer. Você vem para cá?
- Vocês pagam o vale-transporte?

Introdução

A única coisa em que ele conseguia pensar, ao cambalear pelo corredor com as mãos sobre o peito, era que tudo era uma grande mentira. Não havia nenhum filme da sua vida e menos ainda um túnel de luz. Enquanto morria, Austregésilo Castello-Branco só conseguia sentir a dor insuportável e o medo avassalador. O som das pessoas conversando no andar de baixo parecia cada vez mais distante aos seus ouvidos e de repente tudo acabou.

Os convidados, surpreendentemente, só perceberam que o anfitrião – ou o velho, como todo mundo o chamava – não estava na sala tempos depois. A descoberta deixou todo mundo eriçado. Quase todos os presentes tinham motivos para mandar Austregésilo ao encontro do Criador. E todos acharam melhor, antes de chamar a polícia e correr o risco de ter seus podres revelados em letra grandes nas manchetes, arrumar um detetive particular. Alguém que pudesse resolver o caso ali, na intimidade do lar do falecido. “Entre amigos”, diria um dos presentes com uma risadinha marota (o mesmo que havia feito a piada do pavê quando o doce foi servido).

Apesar da fortuna do rico industriário estar estimada em um bilhão e meio de dólares, tudo o que eles conseguiram foi um detetive meio, digamos, duvidoso. Primo do mordomo, Mesquita foi o que deu para arrumar no meio da noite calorenta em que o velho bateu as botas.

Onde isso vai parar? Só Deus sabe.