O Final Acachapante – parte II
Ou Agora é o Fim Mesmo
- Mas, detetive Mesquita, onde o senhor aprendeu a falar assim?!...
- Por favor, agora não. Vejam bem, nós, detetives, usamos muitas vezes de um critério básico da lógica para chegar ao fundo de um mistério: eliminadas todas as impossibilidades, a solução que se apresenta, por mais inverossímil que pareça, é a verdade.
- Larga de ser burro, Neneco. Inverossímil é... opa. Nada não.
- E aí? Vou poder desvendar o crime em grande estilo ou vocês vão ficar me interrompendo?
- Mal aê. Prossiga, por favor.
- Pois bem, nesse caso muitas soluções pareciam perfeitamente possíveis. Todos pareciam ter tido a oportunidade adequada para cometer o crime. Mais ainda, muitos pareciam se orgulhar de terem chegado perto de matá-lo. Voltemos um instante ao problema da falta de tempo. Como resolver o caso antes de se fazer uma autópsia no cadáver? Como prescindir dos delicados procedimentos de revista do local do crime em busca de pistas? Eu teria que achar o assassino em poucas horas, usando para isso apenas minha capacidade dedutiva. A enormidade da tarefa que se me apresentava a princípio me assustou.
- Bem se vê...
- Os depoimentos, além de me darem uma visão mais clara de quem era o velho e seus supostos amigos, abriram na minha mente privilegiada novos caminhos para a solução da charada. Quem teria a força de matar um homem com apenas uma punhalada? Uma mulher seria capaz? Mas quem tinha certeza de que o velho teria morrido mesmo da punhalada? Porque, mesmo sem saber do truque, estranhei que alguém com uma faca nas costas resolvesse fazer um tour pela lavanderia. E a baba? Ninguém mencionava a baba do velho, mas ele havia sido visto claramente babando!
Foi só a leitura do diário, porém, que ao mesmo tempo jogou de volta às trevas e trouxe a luz para a resolução do caso. Porque Austregésilo revelou que sabia que todos queriam matá-lo. Mais do que isso, estava preparado e desejoso de uma tentativa de assassinato. Então por que todos os dispositivos de segurança falharam? Se o velho estava prevenido de seu algoz, como ainda assim ele conseguiu driblar sua vigilância? Foi então que eliminei todas as impossibilidades e o que restou foi a vida. A vida, com suas incongruências e incertezas; o imponderável e o destino.
- Er... dá licença? Posso per-gun-tar uma coi-si-nha?
- Pois não, Danton.
- Dá para ser mais cla-ro?
- Dá, sim. Eu queria mostrar para vocês uma travessa que encontrei na copa da mansão. Reparem que é um arranjo de frutas de cera. Mas as frutas são esculpidas à perfeição. Grande fanfarrão que era, Austregésilo provavelmente se deleitava com as confusões dos recém-contratados empregados, que comiam secretamente suas frutas por engano, só para perceberem que eram de mentira.
- Como você reparou nisso, grande?
- Quando cheguei, tive a maior vontade de pegar uma dessas uvas. Estavam mesmo muito vistosas. E o que me intrigou desde que vi o cacho foi a falta de uma uva no arranjo. Sem que ninguém notasse, procurei, ao longo da noite, a uva perdida...
- E o que um cacho de uvas de cera faltando uma teria a ver com a morte do velho mesmo?...
- Cale-se, cretino. Você está estragando meu mise-en-scene.
- Se ao menos eu soubesse o que é misancêne...
- O fato é que encontrei a uva quando terminei a leitura do diário.
- Ugh, você está enfiando a mão na garg...
- Ela está aqui! Austregésilo morreu engasgado com uma uva de cera.
- Ooooooooooooooooooooooohhhhhhhhh!
- Vitimado por sua própria fanfarronice combinada a uma larica mal-sucedida, provavelmente causada pela sessão de fumaça que partilhou com Ronald. Engasgado, ainda tentou buscar ajuda de alguém. Foi quando topou com Gabriel na lavanderia, a quem Austregésilo, morrendo engasgado, pareceu apenas um “velho arrogante com uma faca enfiada nas costas” – faca essa que já havia sido enfiada pelos ingênuos irmãos Grosso, numa trama do velho. Ele sabia que era mal-quisto e, dando as condições adequadas, era impossível que, de todos os convidados, escolhidos a dedo entre antigos desafetos ou gente que tinha contas a acertar com ele, nenhum tentasse matá-lo.
- Bem que a gente estranhou aquela mira nas costas dele, dizendo “enfie a faca aqui”.
“Aqui jaz Austregésilo Castello-Branco, que morreu engasgado com uma uva de cera”.