terça-feira, 24 de julho de 2007

Simeu Mavela

Podem me chamar de Simeu Mavela. Estou muito nervoso com essa situação, pois nunca antes havia escrito um depoimento. Na verdade, é a primeira vez, desde que assinei minha baixa desonrosa dos Lobinhos, que ponho algo no papel. Estou escrevendo isso enquanto espero minha vez de entrar na sala do detetive. Sabe como é, não quero dar vexame quando for a minha vez de entrar no palco. Ainda mais que estranhamente estou com um pouco de dificuldade para articular palavras hoje. Mãos à obra então.
Mas antes vou tomar uma bolinha pra relaxar. Usava muito desse expediente quando dava plantão na caserna, isso de fato ajuda a passar o tempo. Ah, muito melhor. Onde eu estava? Ah, sim, meu depoimento.
Sou um tipo caladão, prefiro agir a falar. Nos últimos tempos, estabeleci uma modesta carpintaria ao longo da estrada principal, bem perto da entrada da mansão do seu Austregésilo. Foi lá que ele me conheceu, quando contratou meus serviços. Era um pedido estranho, mas serviço é serviço e não recuso trabalho. Lembro que ele parou seu Bentley todo pintado como se fosse um quadro do Romero Britto. Não sou conhecedor de arte nem nada, mas é que reconheci a estampa no carro porque tenho uma igualzinha decorando a cortina do meu banheiro. O Velho desceu do carro e depois de pouco papo, pagou adiantado o trabalho. Nunca vi aquilo. O cheque que ele me deu tinha mais zeros que a idade da Dercy e do Niemeyer juntos. Nem se eu trabalhasse um ano para o papa eu seria tão bem pago. Senti que minha chance havia chegado.
Mas isso não foi tudo. Onde eu deixei aquelas bolinhas? Ah, aqui está uma. Hum... que bom. Como eu estava dizendo, seu Austragésilo também me convidou para uma festa, que seria dali a duas semanas. Ele disse ainda que a encomenda teria que ser entregue até a data do convite. Eu falei pra ele não se preocupar, pois o serviço estava em boas mãos. Passei as duas semanas seguintes enfurnado na carpintaria, nem tive tempo de ir à cidade. O sacrifício valera a pena. De fato, eu havia criado uma obra prima. Entreguei o pacote pela manhã na casa do velho e fui à cidade, descontar o cheque e comprar roupas novas, pois a festa seria dali a poucas horas.
Voltei à noite, e encontrei a casa toda iluminada. Havia tantos carrões estacionados que parecia um show-room da Mercedes. Logo na porta, encontrei algo parecido com uma freira, mas tinhas dois metros de altura. A freira bombada estendeu a mão e pegou meu convite. Agradeci me ajoelhando e beijando suas vestes. Assim, de súbito, entrei no salão principal, que me pareceu mais iluminado que uma quermesse no céu. Bandejas voavam com drinques fumegantes, cada um de uma cor. Apanhei quantos pude e entornei tudo ali mesmo. Onde estão essas bolinhas? De repente, eu flanava a poucos passos do chão, como se deslizasse entre os convidados com um Segway dos infernos. Sumi festa adentro.
Estava conversando com uma dama de longos cabelos verdes, encostada num canto da sala. Ela chegava a ser mais calada que eu, mas entendia seu silêncio como um sinal de positivo. Passei a mão por seu corpo e pude sentí-lo úmido como terra molhada. A freira gigante apareceu do nada e agarrou-me no ar, levando-me em direção à porta. Protestei dizendo que antes, ainda queria falar com meu amigo Austrogildo, para dizer-lhe pessoalmente o que eu achava dele. Enquanto a doce freira me levava para fora, pude escutar um sinistro rebuliço na multidão, e alguns olhares se dirigiam para mim e para minha freira gigante. Fui cercado por um bando de pingüins que fediam a vodca e canapés. Senti o chão acelerar violentamente em direção ao meu rosto, até que tudo ficou congelado com o baque. Em câmera lenta, pude ver meu chapa, o velho Astrolábio, repousando no caixão que eu mesmo construíra. Apaguei.
Tenho que parar com essas bolinhas. Só mais essa.
Acordei com gosto de cabo de guarda-chuva na boca. Olhei em volta e estava numa sala, junto com outros convidados da festa. Reconheci alguns deles pelas solas dos sapatos, que se encaixavam perfeitamente nas marcas deixadas nas minhas costelas. Tentei organizar os pensamentos e revirei os bolsos, à procura de pistas. Achei um papel dobrado e imediatamente percebi que era cheque que o velho me dera, que fora recusado pelo caixa do banco. Lembrei que saí do banco muito puto, afinal, havia gasto uma soma considerável para fazer aquele caixão idiota. Acho que também dei uma esticada no bar do Galego antes da festa. Acho até que tomei uns aperitivos, não sei.
Minha situação é delicada, sou uma pessoa simples, não tenho amigos por aqui. Não matei o velho, isso eu posso garantir. Não conhecia a casa, não poderia ter encontrado o sacripanta e dado cabo dele, ainda mais numa festa lotada. Só sei que até aqui, minha contabilidade está negativa. Velho filho da puta! - Posso escrever isso num depoimento? Queria pelo menos reaver meu caixão, mas aproveitaram e deixaram o velho dentro dele por enquanto. Acho que poderia conseguir um bom preço na peça, se eu a colocasse pra vender na beira da estrada. Diabos. Se ao menos aquela linda dama de cabelos de clorofila testemunhasse a meu favor.
Vou terminar por aqui. Acho que contei tudo de relevante que aconteceu essa noite. Mesmo porque, minhas mãos doem. Não sou acostumado a escrever, como já falei, e de ontem pra hoje ainda apareceram umas lascas de madeira fincadas entre minhas unhas. Dói pra burro, acreditem, é como tambolirar numa máquina de escrever, que tivesse pregos em suas teclas. E a dor não passa.
Acho que é por isso que eu consumo tanta bolinha.

14 comentários:

Bruh Oliveira disse...

Marceneiro, dependente químico e zoófilo?????
Mais um para o cabelo botar a culpa, ou de repente até foi ele...sabe como é...alguém tão c**ado pode não parar por aí...

Anônimo disse...

"Sou um tipo caladão, prefiro agir a falar"

Hummm... Declaração comprometedora, senhor Simeu.

Mas ainda acho que foi o Cabelo.

Anônimo disse...

A Freira grandona era o Frota! Foi ele! Foi ele!!!!

Mymi disse...

Não acho que foi o Simeu.

Se o velho encomendou o caixão é porque já sabia que alguém iria matá-lo.

Unknown disse...

na verdade depois desse depoimento reveladooooor....acho q o próprio velhote se matou...ou forjou sua morte....ou então ia matar alguém prá colocar no caixão encomendado, mas o tiro saiu pela culatra...

enfiiiiiiimm...
"N" possibilidadeees...

Camila disse...

eita, tah ficando complicado!!

Mto bom! vo acompanha tudo!!
hehehe

Anônimo disse...

Muhahahah
O negócio tá ficando feio.

Hemeterio disse...

Acho que o velho queria pregar uma peça, mas aí tropeçou na própria próstata e caiu no caixão, morto de veradde, com um galo na cabeça. Ou não.

Lord of Waters disse...

Muito bom!

Esse depoimento agrega valor à minha suspeita inicial. Hmmm.

Mas coisas continuam acontecendo. E eu acho o último movimento do velho foi pegar um sanduíche de bacon.

Anônimo disse...

Acho que desde que vc era lobinho vc já punha coisa no papel - e pela forma como escreves o papel era jornal.
Mas não desanime, esta "estoria" vai ficar boa.

Anônimo disse...

" Lembro de ter visto um cara oferecendo um drink para uma samambaia " \o/

hahahah bebadasso!

Unknown disse...

baixa honrosa dos lobinhos?
O mr. carpinteiro tomou umas bolinhas e continuou a escrever do mesmo jeito....será q demora pra bater? e qd bater como ele fica?
aposto q a mulher samambas sabe de algo....q será qw ele fesz pra freira fisgar ele dali:? bebado é foda! ahuahuahauha

Marcelo "Muta" Ramos disse...

eu quero dessas bolinhas, hehehe.

e a mulher samambaia tava lá é? hum, que beleza!

hugs

Anônimo disse...

Não entendo como o tiro poderia ter saido pela culatra... se o velhote foi apunhalado,e digo mais! pelas costas...