sexta-feira, 20 de julho de 2007

Interlúdio 2

- Barriga de aluguel, um podólogo gay, um santuário pro Frota, chantagens... Too much information; Neneco, essa história está começando a feder.
- Er...
- Neneco?
- Desculpa, Cabelo, acho que o cheiro é minha culpa.
- Neneco!
- É esse blend de tangerina com folhas de repolho que acho que não caiu bem.
- Caraio, Neneco! Cê ta fumando repolho?!
- Estou em busca do blend perfeito, Cabelo. É uma busca transcendental, respeita.
- Sei... Mas esse papo de fantasia de chacrete não colou. Aposto que essa menina é GP.
- Você acha que ela participa de corrida de carros?
- Garota de Programa, anta! A profissão mais antiga do mundo. Eu disse que tinha visto uma striper, era ela.
- Hum, eu gostei dela, será que ela cobra caro?

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Margarida W.

Acordei com a estranha sensação de ter um chiclete grudado na testa. E realmente havia.
Enquanto tentava lembrar como ele havia parado ali (e também pensava em um modo de removê-lo), notei um pedaço de papel em cima do criado mudo.
Tom era um criado dedicado. E já que não falava, a discrição personificada. Perdeu a fala em um estranho acidente mal explicado envolvendo uma cabra, uma lixa de unhas e azulejo moído. Mas não estou aqui para falar de Tom.
Era um bilhete de Austregésilo. Queria falar comigo sobre assunto confidencial, com urgência! Daria uma festa logo mais a noite e minha presença era importante. Tudo bem que ele sempre foi um velho de hábitos peculiares, mas tratar de assuntos importantes (e principalmente confidenciais!) em festas... ora!
Mas não foi isso que me deixou inquieta. Ele havia jurado que não queria me ver nem vestida de chacrete, e agora me convida para uma festa.
Nossos problemas pessoais começaram quando Austregésilo me contratou para ser barriga de aluguel, seis anos atrás. Naquele momento ele se dizia apaixonado por seu podólogo. Só que na verdade o que queria mesmo (já que sofria constantemente com problemas nos pés) era o podólogo ao seu lado 24 horas por dia, sem custos adicionais. Mão de vaca.
Por outro lado, o podólogo não sabia das intenções de Austregésilo em relação a ele. E o que nenhum dos dois sabia é que eu não posso ter filhos. Uma história um pouco confusa que tinha como base o seguinte plano de Austregésilo:
Eu saíria algumas vezes com Igor, o podólogo. Numa dessas saídas eu engravidaria. Ficaria calada até o quinto mês e quando revelasse meu estado começaria a reclamar falta de condições para cuidar da criança. Então, Austregésilo me ofereceria apoio financeiro e sua casa para que eu ficasse até a criança nascer.
Igor havia acabado de se formar, era órfão e completou os estudos com ajuda governamental. Só restaria a ele aceitar a ajuda do velho. Após o parto, eu abandonaria casa e criança e pegaria a significativa importância que ele havia me prometido. Os dois se casariam na Espanha e adotariam a criança.
Só que, como eu disse, eles não sabiam que eu não posso ter filhos. Um mês se passou, dois, e Austregésilo começou a me cobrar a criança. Não tardou para que ele colocasse um detetive atrás de mim e descobrisse tudo. Foi aí que a sorte arreganhou os dentes pra mim.
Em uma noite, daquela mesma semana, saí para comer em uma birosca perto do meu apê. E quem eu vejo entrando em uma casinha muito suspeita? Sim, ele mesmo. Não demorou muito para que eu fizesse contato com alguém daquela casa e uns drinks depois fiquei sabendo de tudo que se passava lá.
Austregésilo mantinha naquele lugar uma espécie de santuário para Alexandre Frota. Bonecos de cera importados da Inglaterra, roupas do ator, gravações, fotos, entre outras coisas compunham o local. Mas tudo devia ser mantido no mais absoluto sigilo, por questões comerciais. O velho fechava muitos contratos importantes, naquela época, e a descoberta de seu pequeno hobbie poderia arruinar alguns deles.
Descobri também que ele enganara um ingênuo mendigo que rondava o local, dando a ele um saquinho cheio de Viagra dizendo se tratar de 'pílulas para Smurfização'. O homem foi encontrado dias depois totalmente duro da cabeça aos pés. E ele mantinha esse homem como estátua, vestindo roupas que Frota usou em um de seus últimos filmes, no hall de entrada do santuário.
Após conseguir algumas provas fui à mansão disposta a fechar um acordo. Ele esquecia a minha pequena mentira e eu esquecia o seu pequeno museu e o crime cometido. Negócio fechado com a condição de que eu nunca mais aparecesse. E ainda ganhei uma boa quantia pra calar o bico.
E era esse homem que queria me ver a noite. Após almoçar e cumprir alguns compromissos que tinha a tarde, quase me esqueci de nosso encontro. E teria esquecido se não fosse um embrulho que chegou para mim. Dentro dele havia uma Fantasia Celebration de chacrete e um bilhete dizendo que ele havia esquecido de avisar que era uma festa a fantasia.
Parecia piada, mas resolvi aceitar. Quando terminei de me vestir e percebi que os sapatos estavam apertados, quase tive certeza de que se tratava de uma piada. Ao chegar a festa minhas suspeitas se confirmaram. Eu era a única fantasiada. Concluí que Austregésilo já estava ficando gagá e clichê.
Finalmente nos encontramos, ele riu e subimos até o escritório. Conversamos amenidades até ele tocar naquele assunto. Me disse que estavam escrevendo uma biografia sobre sua vida e era bom que eu não esquecesse o nosso pacto. Alceu, o biógrafo, estava na festa e procurava um grande furo para alavancar as vendas.
Pedi mais dinheiro para ficar calada, ao que ele recusou. Discutimos por um tempo até que um silêncio pairou no ar. Austregésilo me expulsou de seu escritório e também de sua casa. Eu precisava continuar naquela festa pra saber qual era a do biógrafo. Quem sabe se ele pagasse... Desci para o aposento dos empregados (sem que me vissem, claro) e consegui um uniforme com Fifi, a camareira.
Fifi não morria de amores pelo patrão, pois o achava muito parecido com José Lewgoy e isso a assustava um bocado. Ficamos muito amigas na época em que frequentei a casa. Vesti o uniforme, tirei a maquiagem e facilmente me misturei aos empregados.
Não foi difícil descobrir quem era Alceu, o biógrafo. Escutando um pouco daqui, um pouco dali, descobri que ele era o homem que discutia modos de preparar joelho de porco com outro convidado. Tentei me manter perto durante toda a noite. E teria conseguido se não fosse Igor, o podólogo. Ele me arrastou até o jardim e queria que discutíssemos nossa rápida relação ali mesmo, seis anos depois.
Eu sempre gostei dele e não foi difícil começar a falar tudo o que aconteceu. Falei muito, incluindo o fatídico caso de Viagra. Ouvimos passos e percebemos que havia outra presença no jardim. Não pudemos ver quem era, mas Igor, o podólogo, saiu correndo atrás. Eu aproveitei para procurar Alceu, o biógrafo.
Não o vi mais durante todo o resto da festa. Já ia pegar minhas coisas para ir embora, quando noticiaram que Austregésilo tinha ido comer capim pela raiz. No fundo eu achei merecido, mas na hora fiz uma cara de pesar.
Peguei de volta minha Fantasia Celebration e fiquei na sala com os outros. Jogamos uma partida de Banco Imobiliário enquanto o detetive que Cabelo, o mordomo, chamou não chegava. Após colocar a terceira casa da Av. Rebouças, Igor, o podólogo, me perguntou, sem que os outros ouvissem:
- Austregésilo foi para o céu?
Olhei para meus companheiros de jogo. Todos com um olhar competitivo e semblante de algo a esconder. Balancei a cabeça e respondi:
- Eu duvido muito.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Interlúdio 1


- Ok, Cabelo. Sua história eu já conheço. Agora manda o primeiro procrastinado entrar.
- O primeiro o quê?
- O primeiro procrastinado, pô.
- Neneco, você sabe o que é procrastinado?
- Não é o mesmo que “suspeito”?
- Não, porra!
- E o que é então?
- É gente deitada de bruços. Cruzes, como você é burro.



terça-feira, 17 de julho de 2007

Cabelo

Meu nome é Cabelo e eu sou o mordomo da casa.
Na verdade, claro que meu nome não é Cabelo, é só apelido. Mas é daqueles apelidos universais, que passam a fazer parte da pessoa. Sabe como é, eram os anos 70 e eu tinha uma juba de responsa. Agora não sobrou muita coisa, virou ironia. Muito pouca gente conhece meu nome verdadeiro, Thelonious. Nada a ver com o jazzista, meus pais nem gostavam de jazz, acho que foi pra me sacanear mesmo. Minha mãe tinha muito senso de humor, uma vez quebrou um pau de macarrão na cabeça do meu pai e ficou rindo por horas.
Mas têm nomes piores; minha irmã, por exemplo, chama Tênia. Era pra ser uma homenagem para minha avó Tânia, mas meu pai estava de pileque quando foi no cartório registrar. A Tênia puxou o senso de humor da minha mãe, tacou ácido no nariz de um cara que perguntou se ela era Solium ou Saginata.
Bom, mas isso não vem ao caso. É que eu estou nervoso e quando fico assim começo a tergiversar. Que nem no ginásio, quando o diretor me chamou na sala dele porque me pegaram fumando no banheiro e eu acabei revelando todo o esquema que a gente tinha de roubo de provas antes de falar oi. O pessoal da minha classe que não reagiu bem, me deixaram preso no armário um fim-de-semana inteiro. E agora essa merda desse velho morto.
Vou tentar começar de novo. Eu sou o mordomo da casa, ontem teve essa festa, veio um monte de gente que eu nunca tinha visto e o velho acabou assassinado. É óbvio que está todo mundo me olhando como se eu fosse o culpado; a culpa é sempre do mordomo até prova em contrário. O mordomo é uma espécie de judeu das profissões, o cara pode morrer de tétano que com certeza vai ter alguém culpando o mordomo pela ferrugem do prego. O sindicato devia pedir para a ONU dar um país para a gente. Sei lá, talvez a Uganda, um lugar onde os mordomos finalmente pudessem viver em paz, entre os seus. Se deu certo com Israel...
Mas voltemos ao velho. O Seu Austregésilo era um baita filho da puta, que ninguém duvide disso. Inclusive dizem que sua mãe antes de dormir dizia “enfim juntos” para os próprios joelhos. Não vou enganar ninguém dizendo que estou triste pela morte do velho. Acho até que já foi tarde, com todas as suas esquisitices. O desgraçado me obrigava a jogar War com ele por dias seguidos! Ele jogava com cinco cores e eu só com uma, e se mesmo assim eu estivesse ganhando, ele dava um jeito de bagunçar o tabuleiro gritando: “ataque kamikaze”. Perdi a conta de quantas vezes tive vontade de matar o desgraçado. Mas dessa vez não fui eu, juro!
O fato é que se deixar isso na mão da polícia eu estou fodido. Ainda mais que provavelmente quem vai pegar o caso é o delegado Palhares e ele não vai com a minha cara já faz tempo. Nós já tivemos vários desacordos sobre questões de direito de propriedade, se é que vocês me entendem. Discutíamos muito também sobre a aplicação das leis, principalmente as da física. É que, melhor confessar logo, eu não sou só o mordomo da casa. Eu fazia alguns servicinhos extras para o Austregésilo de vez em quando; como convencer gentilmente alguns associados dele a pagarem dívidas vencidas. Não tenho culpa que algumas pessoas tenham ossos tão frágeis.
Como dizia aquele cara: festa estranha, gente esquisita. Já trabalho para o velho faz doze anos, mas mesmo assim tinha muita gente nessa festa que eu nunca vi. Pelo que eu sei, o velho chamou várias pessoas com quem tinha que acertar contas antigas. Um grupinho bem heterogêneo: empresários, jogadores de pôquer, agiotas, roqueiros...
Eu fiquei rodando entre os convidados. Esse é meu único álibi, fiquei o tempo todo no andar de baixo, mas dependo de gente de pouca confiança para confirmar meus movimentos. Lembro de ter visto um cara oferecendo um drink para uma samambaia, de ter passado uma cantada numa striper, ou pelo menos uma garota que eu achei que era striper; e de um cara que passou a mão na minha bunda sem pedir permissão, o que me deixou muito chateado.
Tinha um rapaz sorridente que parecia estar em dois lugares ao mesmo tempo, talvez um ilusionista; e um outro que parecia ter uma lesma saindo do ouvido. Tinha um velho que jurava ter sido um imitador de Michael Jackson em outra encarnação e juntou um grupinho a sua volta enquanto tentava reproduzir o moonwalk.
Fui eu que encontrei o cadáver já perto do fim da festa. Foi a primeira vez na noite que fui para o segundo andar. A primeira idéia que me veio à cabeça foi chamar o Neneco. Eu sei que não foi uma idéia que se possa dizer: “supimpa, que idéia genial!”. Mas o que se vai fazer? É minha única chance de descobrir o assassino antes do Palhares me colocar no pau-de-arara. Eu e Neneco temos que desvendar esse mistério o mais rápido possível!

terça-feira, 26 de junho de 2007

Preâmbulo

Já era o terceiro blend que eu tentava criar para o cachimbo quando o telefone tocou. A mistura continha orégano, alfazema e cascas de lápis apontado. Sempre achei indispensável que um detetive particular fumasse cachimbo, usasse sobretudo e fosse meio bêbado. Já consegui as duas últimas. A asma me impede de fumar cachimbo apropriadamente, mas acredito que ainda encontrarei uma fórmula perfeita, que não desencadeie crises de falta de ar no meio dos interrogatórios. Pega mal à beça.

Do outro lado da linha, uma voz grave e nervosa perguntou pelo Detetive Mesquita.

- Sou eu mesmo.
- Ah, é você, Neneco? Não conheci a voz, rapaz. Tá fazendo voz de macho, agora?

Comecei a ficar nervoso. Como esse homem sabia dos meus segredos mais íntimos, como o apelido de infância?
- Quem está falando?
- Não tá me conhecendo não, Neneco? Aqui é o Cabelo, seu primo.

Nessa exata hora, um arrepio percorreu minha espinha. Não só porque o Cabelo tinha essa mania cretina de chamar todo mundo pelos apelidos familiares infantis, o que me dava nos nervos, mas também porque ele era o mordomo do rico industriário Austregésilo Castello-Branco. Teria o velho descoberto que Cabelo e eu, na ausência dele, bebíamos todo o uísque do bar e substituíamos por chá?

- Neneco, o sêo Austregésilo foi pro saco.
- Que saco?
- Empacotou, tonto!
- Decide, pacote ou saco?
- Mó-rreu, faleceu-se, capuft, foi dormir com os peixes, comer capim pela raiz, partiu dessa pra melhor. Cara, como você é obtuso!

Putz. Nessa eu não tinha pensado.

- O que aconteceu?
- Bom, o velho tinha convidado o pessoal prum rega-bofe aqui na mansão, às 8. Lá pelas tantas, quando todo mundo já tinha enchido a pança e tomado umas, se deram conta de que o patrão tinha sumido.
- Quem? O Silvio?!
- Não, anta! O Austregésilo, pô.
- Ah, sim. Prossiga.
- Então. Saí para procurar o velho e tudo que encontrei foi um cadáver. Ele estava caído no corredor com uma punhalada nas costas, um estranho fio de baba meio espumosa no canto da boca e um número azul marcado no antebraço.
- E qual o galho?
- Como assim, “qual o galho”, porra? O cara tá com uma faca fincada nas costas, espumando pela boca e com um número nada a ver no braço e você pergunta qual o galho? O galho é que temos um morto na casa e quase todo mundo aqui tinha motivos para ter encomendado o presunto. Ou seja, ninguém tem interesse em chamar a polícia. Precisamos de um detetive que descubra quem foi – e livre a cara dos outros – antes do sol nascer. Você vem para cá?
- Vocês pagam o vale-transporte?

Introdução

A única coisa em que ele conseguia pensar, ao cambalear pelo corredor com as mãos sobre o peito, era que tudo era uma grande mentira. Não havia nenhum filme da sua vida e menos ainda um túnel de luz. Enquanto morria, Austregésilo Castello-Branco só conseguia sentir a dor insuportável e o medo avassalador. O som das pessoas conversando no andar de baixo parecia cada vez mais distante aos seus ouvidos e de repente tudo acabou.

Os convidados, surpreendentemente, só perceberam que o anfitrião – ou o velho, como todo mundo o chamava – não estava na sala tempos depois. A descoberta deixou todo mundo eriçado. Quase todos os presentes tinham motivos para mandar Austregésilo ao encontro do Criador. E todos acharam melhor, antes de chamar a polícia e correr o risco de ter seus podres revelados em letra grandes nas manchetes, arrumar um detetive particular. Alguém que pudesse resolver o caso ali, na intimidade do lar do falecido. “Entre amigos”, diria um dos presentes com uma risadinha marota (o mesmo que havia feito a piada do pavê quando o doce foi servido).

Apesar da fortuna do rico industriário estar estimada em um bilhão e meio de dólares, tudo o que eles conseguiram foi um detetive meio, digamos, duvidoso. Primo do mordomo, Mesquita foi o que deu para arrumar no meio da noite calorenta em que o velho bateu as botas.

Onde isso vai parar? Só Deus sabe.